Projeto Cemitério do Soldado
A cidade de Três Lagoas abriga diversas localidades consideradas de importância histórica, tanto no que diz respeito à importância institucional, quanto ao valor socialmente atribuído pelas pessoas comuns. Muitas dessas localidades estão abandonadas e sem visibilidade, uma vez que, mesmo localmente, se desconhece seu valor histórico. A presente ação, de longo prazo, pretende mapear essas localidades e desenvolver mecanismo virtuais para conhecimento, com intuito de incentivar a preservação do patrimônio material da cidade. Nos anos de 2017 e 2018, a pesquisa se centrará no Cemitério do Soldado, local que abre inúmeras possibilidades de análises em história política, social e cultural. O objetivo final é criar meios virtuais para dar visibilidade a localidades históricas da cidade de Três Lagoas, para fins de conhecimento, conscientização e preservação do patrimônio, começando pelo referido local. Para tal fim, propôs-se a criação de um website da atividade, cujo objetivo será permitir ao visitante fazer um tour virtual pelo local, bem como acessar entrevistas, explicações, glossários, documentos históricos e quaisquer outras informações relevantes quanto ao valor histórico/social da localidade. Os alunos(as) são instruídos na coleta de informações sobre a localidade: documentos, entrevistas, fotografias, filmagens acerca do Cemitério do Soldado de Três Lagoas (fase atual do projeto). Posteriormente, solicitando parceria de outros PETs (da área de tecnologia) e mesmo de empresas e instituições interessadas na preservação, o material será analisado, processado e publicado em um website, com sistema de visita virtual.
O Cemitério do Soldado para o Historiador
As fronteiras invisíveis entre a História e Memória. Assim se apresenta a nós toda a teia de enredos sobre o local de culto, devoção e oferendas, conhecido pela população de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, como “Cemitério do Soldado”. Supostamente, alguém que carregou o nome de José Carvalho de Lima, supostamente soldado das forças de resistência do Governo Federal contra a rebelião dos tenentes paulistas de 1924, está ali sepultado. Depois dos bombardeios federais em São Paulo, a coluna paulista se dirigiu para Bauru, dali orquestraram um ataque a Três Lagoas, onde as tropas do Governo se concentravam. Se assim a podemos chamar, a “Batalha de Três Lagoas” resultou em mais da metade dos rebeldes tombados, entre feridos, mortos e presos, depois dos combates no então chamado “Campo Japonês”. O remanescentes da coluna de Isidoro Dias Lopes e Juarez Távora rumaram para o Paraná, onde se encontraram com a Coluna Gaucha de Luis Carlos Prestes.
É sob esse pano de fundo que se encontra a história do soldado, porém, nada mais se sabe sobre aquele homem e o que se sabe não jaz nos abrigos outrora seguros de uma história acontecimental. A oralidade da população apresenta inúmeras histórias paralelas, tão ricas quanto qualquer exumação para fins forenses. A estória mais corrente sustenta que, ferido, teria ele morrido de fome e sede naquele local (por isso as inúmeras oferendas de garrafas de água que lá encontramos). Enterrado por civis, passou a frequentar o imaginário popular como entidade miraculosa. De tempos em tempos, o local é visto nos periódicos da cidade, quer por motivos de abandono por parte dos poderes públicos, quer por vandalismo e até práticas não ortodoxas de oferendas (em uma delas um feto abortado foi deixado ao lado da capela).
Possivelmente construído por populares, o local de culto situava-se em terreno baldio, apenas com uma capela de tijolos à vista. Há relados de que crianças haviam sido enterradas ao seu redor. Na década de 1970, o local foi tombado como patrimônio histórico do município e, em 2011, a cultura popular foi “domesticada” com uma intervenção da Prefeitura Municipal, especialmente para fins turísticos. Portões, grades e um jardim foram construídos; a capela foi modificada. Uma cruz, não presente ao lado da capela original foi erguida. O nome do soldado apareceu em uma placa com o brasão de armas do exército pela primeira vez.
A pergunta que deve incomodar os historiadores é, de longe, avessa à ideia da factualidade, mas sem a desprezá-la por inteiro. Qual a importância desse local para a cultura popular? Quais as formas de culto, sincretismo e imaginário se construíram em torno do soldado? Que “fios” podemos “puxar” dessa meada de enredos, narrativas, criações e reelaborações sobre uma história nunca registrada? A riqueza da memória aqui se apresenta como parte da tarefa dos historiadores.
Depois de um primeiro contato com o tema, a próxima etapa do projeto será a reunião de algumas narrativas populares, em forma de entrevista, e a construção de um website que permita tanto o contato com tais narrativas, quanto um contato visual por imersão no local de culto.
Como fruto de nossa primeira etapa, apresentamos abaixo alguns materiais reunidos:
Reportagem de uma TV local sobre o Cemitério:
Cemitério do Soldado antes da restauração
Obras de restauração
Cemitério do Soldado atualmente